"A luz irrompeu outra vez, e lá, na borda da fissura, na própria Fenda da Perdição, estava Frodo, negro contra o clarão, tenso, ereto, mas imóvel como se tivesse sido transformado em pedra.
- Mestre! - gritou Sam.
Então Frodo se mexeu e falou com uma voz mais clara e poderosa do
que Sam jamais o ouvira usar, e que se erguia acima da pulsação e dos abalos da Montanha da Perdição, retumbando no teto e nas paredes.
- Cheguei - disse ele.- Mas agora minha escolha é não fazer o que vim aqui para fazer. Não vou realizar esse feito. O Anel é meu! - E de repente, colocando-o no dedo, desapareceu da visão de Sam. Sam abriu a boca assombrado, mas não pôde gritar, pois naquele momento muitas coisas aconteceram.
Alguma coisa golpeou-o violentamente pelas costas, suas pernas ficaram presas por baixo e ele foi jogado de lado, batendo a cabeça contra o chão de pedra; uma sombra escura pulou sobre ele. Sam ficou deitado e imóvel, e por um tempo tudo ficou escuro. E lá bem distante, no momento em que Frodo colocou o Anel e o reivindicou para si mesmo, exatamente ali, nas Samath Naur, o próprio coração de seu reino, o poder de Barad-dûr sofreu um abalo, e a Torre tremeu dos alicerces até o topo orgulhoso e cruel. De repente o Senhor do Escuro percebeu a presença do hobbit, e seu Olho, penetrando todas as sombras, atravessou a planície na direção da porta que ele fizera; e a magnitude de sua própria loucura revelou-se a ele num clarão cegante, e todas as estratégias de seus inimigos foram finalmente desnudadas diante de seus olhos. Então sua ira incandesceu-se numa chama devoradora, mas seu medo ergueu-se como uma vasta fumaça para sufocá-lo. Pois ele sabia do perigo mortal que estava correndo, e percebia o fio pelo qual estava pendurado seu destino.
De todas as suas estratégias e teias de medo e traição, de todos os seus estratagemas e suas guerras sua mente se libertou , e todo o seu reino foi atravessado por um tremor, seus escravos vacilaram, seus exércitos pararam e seus capitães, subitamente sem liderança, desprovidos de vontade, hesitaram e se desesperaram. Pois foram esquecidos. Toda a mente e o propósito do Poder que os controlava concentravam-se agora com uma força arrasadora na Montanha. A uma chamado seu, rodopiando com um grito lancinante, numa última corrida desesperada voaram, mais rápidos que os ventos, os nazgûl, os Espectros do Anel, e com uma tempestade de asas arremessaram-se em direção ao sul para a Montanha da Perdição.
Sam levantou-se. Estava zonzo e o sangue que jorrava de sua cabeça pingava-lhe sobre os olhos. Avançou tateando e então viu uma cena estranha e terrível. Gollum, na beira do abismo, lutava como um ser ensandecido contra um inimigo invisível. Tombava para a frente e para trás, algumas vezes chegando tão perto da borda que quase caía lá dentro, outras recuando, caindo ao chão, levantando-se e caindo de novo. Durante todo o tempo chiava, mas não dizia palavra alguma.
Os fogos embaixo despertaram irados, o clarão vermelho incandeseu-se, e toda caverna ficou repleta de luminosidade e calor. De repente Sam viu as longas mãos de Gollum se erguerem até a boca; suas presas brancas brilharam, e se fecharam numa mordida. Frodo deu um grito, e lá estava ele, caído de joelhos, na beira do abismo. Mas Gollum, dançando como um louco, erguia o Anel, com um dedo ainda enfiado no círculo, que agora brilhava como se realmente fosse feito de fogo vivo.
- Precioso, precioso, precioso! - gritava Gollum. - Meu precioso! - Ó, mau Precioso! - E assim, no momento em que erguia os olhos para se regozijar com sua presa, deu um passo grande de mais, tropeçou, vacilou por um momento na beirada, e então com um grito agudo caiu. Das profundezas chegou seu último gemido, 'Precioso', e então ele se foi."
- O Retorno do Rei, A Montanha da Perdição, pgs. 293, 294 e 295.
25 de março o dia de ler Tolkien.
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